Qual a diferença entre a facilitação de workshops presenciais e virtuais?

Qual a diferença entre a facilitação de workshops presenciais e virtuais?

Em 2006 eu fazia parte do CMT - Country Management Team de uma organização norte-americana, presente em 22 países. Como cada país tinha 5 membros do CMT, éramos 110 membros de CMT globalmente. No início daquele ano todos os 110 receberam um treinamento online da Ninth House, Leadership Development Suite to Accelerate Advancement of High-Potential Employees.

Em novembro, teríamos uma reunião global na sede da organização, nos Estados Unidos. Naquela época a conexão com a internet era bastante limitada e não havia ainda o armazenamento em nuvem disponível, então tínhamos que logar no site da ninth house e, simultaneamente, colocar o DVD com os vídeos gravados.

Quando eu recebi o pacote, vi quem eram os facilitadores, iniciei imediatamente os meus módulos. Comecei com Innovation: WOW! Projects do Tom Peters, depois Managing Change, com William Bridges, Forging Breaktrhoughs com Peter Senge e assim, um a um, terminei tudo em dois meses e meio. A produção era fantástica. Eles gravaram profissionalmente, como sitcoms, situações onde as habilidades ensinadas eram necessárias e, nos pontos-chave, o facilitador entrava e dizia quais eram as melhores práticas naquela situação.

Chegou novembro. Nos encontramos todos lá na sede, clima de confraternização e festa, afinal de contas aquele era um evento que ocorria de tempos em tempos, devido ao custo de levar tanta gente de tantos países. Ficaríamos uma semana, onde faríamos vários treinamentos com professores da Purdue University do Colorado. Eu estava animadíssimo.

Fizeram a abertura e, quando iniciaram a falar sobre treinamento, chamaram o meu nome e o de um colega de Filipinas. Subimos ao palco. O diretor de RH da organização então nos parabenizou por sermos os únicos a terem feito o treinamento da ninth house completo. Ele então trouxe as estatísticas:

  • 1,8% completaram 100%
  • 3,6% completaram 75%
  • 12% completaram 50%
  • 18,3% completaram 25%
  • 64,3% não haviam sequer acessado seu curso...

Isso representou uma frustração grande, porque o investimento havia sido bastante elevado. Como consequência, para o ano seguinte, incluíram no PMP (Performance Management Process) uma métrica, colocando como objetivo concluir cinco dos cursos oferecidos.

Eu sempre fui autodidata. E adepto ao ensino à distância, muito antes do computador. Fiz vários cursos de inglês por fascículos, que comprava semanalmente nas bancas. Também comprava mensalmente a revista "SpeakUp", que vinha com uma fita cassete com o áudio das matérias da revista. Fiz alguns cursos por correspondência do Instituto Universal Brasileiro (quem lembra?).

Quando o computador chegou, aí então o ensino à distância deu um salto. Faço cursos regularmente no Coursera, Udemy, Hotmart, Domestika, entre outras plataformas.

Em 2008 comecei a trabalhar como facilitador de treinamentos nas áreas de vendas, comunicação, liderança, negociação, design thinking, inovação e técnicas de facilitação para a América Latina. Em 2012 expandi para Estados Unidos e Canadá, além da América Latina. Em 2013, Europa. Em 2015, Oriente Médio e, em 2018, África.

Utilizo, em sala de aula, as melhores práticas da andragogiabiologia e neurociência, para que a experiência de aprendizado seja eficaz e ativa, onde o participante queira fazer parte do processo.

Até que chegou 2020. Regressei de um workshop na Argélia no final de fevereiro. Em março, o mundo estava fechado. Acabaram-se os treinamentos presenciais.

Como eu já possuía experiência na estruturação de treinamentos para entrega virtual, por meio de plataformas de videoconferência como Zoom, Teams, Webex, Adobe Connect, GoToMeeting, Whereby, passei os meses de março e abril recriando os conteúdos para entrega virtual. Recriandonão adaptando. São duas entregas totalmente distintas: presencial é uma coisa, virtual é outra, completamente diferente. Você não pode usar o mesmo material de uma na outra.

E o que é necessário para gerar uma experiência de aprendizagem virtual tão boa quanto ou até melhor que a presencial? Será que é possível que a experiência virtual seja melhor que a presencial? Vamos discutir isso no final do artigo.

  1. Comece do ZERO. Quando digo ZERO, quero dizer ZERO mesmo. Resista à tentação de utilizar os slides da sua apresentação presencial. Você terá que analisar o PROPÓSITO do workshop (Comece com o PORQUÊ, Simon Sinek). Então defina seu OBJETIVO para a sessão, os RESULTADOS DESEJADOS e aí então você montará a ESTRUTURA ou ESQUELETO do seu treinamento. Gosto de usar a ferramenta www.mindmeister.com, onde você elabora um mapa mental de maneira simples e fácil.
  2. Defina o melhor TEMPO de ENGAJAMENTO. Uma das grandes diferenças do treinamento presencial está aqui. Normalmente, os treinamentos presenciais possuem uma carga horária diária de 8 horas, 4 horas na parte da manhã, uma hora de almoço e mais 4 horas na parte da tarde, com coffee breaks a cada duas horas que variam de 10 a 20 minutos. Esses treinamentos podem ter a duração de 1, 2, 3 ou 4 dias, sendo que a predominância é de 2 dias (carga horária total de 16 horas). No treinamento virtual, se você mantiver essa carga horária, não será nada produtivo. Primeiro, porque o ambiente virtual é muito mais cansativo. Segundo, porque as notificações e pop ups saltarão na sua tela e você não resistirá à tentação de abrir aquele e-mail, ou aquela mensagem de whatsapp e aí sua atenção já terá se desviado totalmente do treinamento. O ideal no treinamento virtual é fazer pequenos intervalos a cada 45 minutos e ter sessões de, no máximo, 3 a 4 horas. Algumas consultorias em treinamento adotaram uma prática de fazer treinamentos de 90 minutos por dia, durante um período de duas semanas (8 a 10 sessões). As experiências que tenho tido nessa modalidade não são muito boas, porque quando o grupo está começando a produzir, já é hora de terminar, não dá nem tempo de desacelerar. Aí entra em vigor um princípio biológico, a CURVA DE ESQUECIMENTO DE EBINGHAUSS, ou seja, no dia seguinte o participante já esqueceu cerca de um terço da informação. E aí tem que investir de 5 a 10 minutos na recapitulação dos módulos anteriores. Os minutos restantes passam muito rápido.
  3. O apoio visual tem que ser atraente. O seu PowerPoint não pode ser aquelas coisas horríveis, cheias de texto. Você tem que caprichar no visual. Utilize imagens e poucas palavras. Se você tem dificuldade para criar uma apresentação ppt muito boa, recomendo que você faça o curso PptPlay2.0 https://curso.pptplay.com.br/ do Renato de Paula. É um investimento que vale a pena. Utilizo fotos de alta resolução, vetores e ícones do Freepik www.freepik.com
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4. Domine as ferramentas de apresentação virtual. Particularmente, a minha ferramenta preferida é o Zoom. Hoje é uma ferramenta segura, tem muitos recursos de interação, como o quadro branco, ou então você pode fazer anotações no próprio slide enquanto apresenta, você pode estabelecer quantos breakout rooms quiser, apresentar vídeos com o áudio, enfim, é muito produtiva. Você ainda tem a possibilidade de usar o Prezi Vídeo diretamente no Zoom, o que aumenta bem o engajamento e a atenção dos participantes. Muitas empresas, por causa do problema de segurança que ocorreu com o zoom há alguns meses (mas já consertaram), insistem em usar outras ferramentas. O Teams, da Microsoft, melhorou bastante e, até o fim do ano, deve oferecer várias ferramentas de interação dentro da plataforma. Alguns problemas, como por exemplo, se o participante logar pela web, ele não consegue visualizar o quadro branco, tem que entrar pelo aplicativo. Os breakout rooms são limitados (até agora você só pode ter 3 breakout rooms, deve haver melhorias em breve). Poucas empresas utlizam o Adobe Connect (excelente ferramenta também). Algumas utilizam o Whereby, mas quase não há interação disponível. Já usei o GoToMeeting, permite alguma interação, assim como o WebEx. Vale a pena dar uma explorada no GoBrunch, mas gosto mais dessa plataforma para webinários.

5. Invista em uma boa webcam, iluminação e áudio. Assistir a um vídeo escuro, opaco, com iluminação em um lado só, são coisas que desconectam. O mesmo acontece com o áudio. Se sua câmera embutida do laptop não for muito boa, vale a pena investir em uma webcam Logitech c920. Coloque duas lâmpadas, uma de cada lado do laptop, iluminando seu rosto de maneira a não ter sombra. Essas lâmpada podem ser tipo "ring" ou lâmpadas de iluminação para gravação. Eleve o seu laptop até que a câmera esteja no nível do seu olho. Eu comprei um suporte modulado, porque posso elevá-lo quando apresento em pé. Só quem apresenta em pé sabe a diferença que isso faz. No treinamento presencial não é comum o facilitador apresentar sentado. Por que faria sentido no treinamento virtual? Compre um microfone de lapela ou um direcional. Melhore a qualidade do seu áudio. Algumas pessoas utilizam aqueles fones de ouvido enormes, com abafador de som, excelente para você ouvir, mas eu particularmente não gosto de usar algo assim, prefiro apresentar-me da forma mais próxima ao presencial possível. Mas aí é uma questão de gosto.

6. Interação. Interação. Interação. Comece o seu workshop com interação, faça uma enquete, ou apresente uma questão e divida o grupo em breakout rooms, Utilize os recursos de quadro branco da ferramenta. Utilize outras ferramentas de interação, como o www.mentimeter.com ou o www.mural.co - sempre de acordo com o nível de proficiência tecnológica do seu público. Eu costumo gravar um vídeo de 2 a 3 minutos com um tutorial de uso da ferramenta e enviar aos participantes uns dias antes do workshop, a título de pre-work, assim não precisamos gastar tempo no início para introduzir as funcionalidades. Outro ganho, os participantes já tem contato comigo antes do workshop, não tenho que gastar tempo fazendo minha apresentação (já a fiz no vídeo tutorial). Por isso dá para iniciar com interação. Dessa forma já consigo capturar a atenção do participante e ditar o ritmo. Você, como facilitador, terá que ter uma dose extra de energia. O ideal é sempre ter um co-facilitador nos treinamentos virtuais. Por dois motivos - primeiro, se cair a conexão de internet do facilitador principal, o outro assume e continua o jogo (acredite, já aconteceu comigo). Segundo, aumenta a dinâmica de apresentação, com variedade de ritmos. Utilize atividades em breakout rooms sempre que puder. Dez a quinze minutos de atividade e depois o compartilhamento no main room com o grupo todo e o feedback dos facilitadores.

7. Seja muito específico na instrução das atividades. Uma das piores coisas na entrega virtual - e que, inclusive, gera desconexão - é deixar aquelas lacunas de silêncio. Se você pergunta - alguém tem alguma dúvida? e fica esperando, fica naquele "cri", "cri", e ninguém fala nada. Então, você tem que ser bastante diretivo. "Agora, é o momento de compartilhar a sua reflexão com seus colegas. Você já está vendo a tela do mentimeter, acesse o site www.menti.com e insira o código xxxxxx, estou colocando esse código no chat também. Você pode acessar do seu computador ou do seu celular e escrever seu comentário." Para verificar se há alguma dúvida, eu geralmente falo "se você tiver alguma dúvida, escreva no chat. Caso você não queira compartilhar com todo o grupo, pode selecionar para enviar uma mensagem privativa para mim, que responderei no intervalo." Eu nunca forço a participação de alguém, sempre deixo o pessoal muito à vontade. Respeito acima de tudo.

8. Grave um vídeo curto (3 a 5 minutos) com a parte teórica e em seguida aplique uma atividade para reforçar o aprendizado. A principal vantagem de fazer isso é que você consegue escrever um roteiro que traga toda a informação necessária de forma concisa, utilizando recursos audiovisuais e acelerando o ritmo por meio de uma música de fundo. Vale a pena investir em algumas ferramentas de criação de animação, como video robot, toonly, doodly, entre outras. Fiz um curso online do Daniel Smiderliedição de vídeos no celular https://www.youtube.com/watch?v=vZeX_Ci3ZHY e adquiri o plano anual do Kinemaster - ferramenta de edição de vídeo no celular - por um valor muito razoável. Assim, consigo editar meus vídeos de forma rápida e sem custo. É também uma maneira de manter alterações a cada 4 ou 5 minutos, o que ajuda a manter o engajamento. Funciona muito bem comigo. E olha, tudo solução caseira, nada profissional.https://www.linkedin.com/embeds/publishingEmbed.html?articleId=7780351241880583909

9. Use games, principalmente na parte final do workshop. Os games são altamente envolventes e muito eficazes na retenção do aprendizado. Bob Pike, um dos estudiosos da andragogia, dizia que o adulto não aprende sem diversão. Eu desenvolvo alguns jogos no PowerPoint ou no Google Forms. Gera muito movimento, competição saudável e os participantes tem a oportunidade de aplicar o que acabaram de aprender (ou rever).

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10. Elabore um workbook em pdf interativo. Eu assino o Adobe Suite, com todos os aplicativos da Adobe, incluindo o Acrobat Pro. O Acrobat Pro permite que você salve um arquivo ppt em pdf como formulário, onde você deixa espaços em branco para que o participante preencha diretamente no computador dele. E aí ele pode salvar com suas próprias anotações. Assim, não há necessidade de imprimir o arquivo. O workbook tem que conversar com o material da apresentação, mas não pode ser só o material da apresentação. Se você utilizar slides com poucas palavras, ficaria incompleto. Então, no workbook, coloco toda a informação para que fique fácil para o participante consultar.

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Essa é a minha "receita de bolo". Tenho desenvolvido materiais e facilitado treinamentos virtuais seguindo esses passos, de maneira bem-sucedida.

Da mesma forma que você não pode gravar uma peça de teatro e chamá-la de produção de Holywood, você não pode usar os mesmos materiais de um treinamento presencial para um treinamento virtual. E vice-versa. Daqui para frente, a tendência é aumentar o número de treinamentos virtuais. Para isso, é necessário que as empresas tenham claro que a estrutura do treinamento virtual é diferente e que o seu desenvolvimento é trabalhoso e gera bons resultados.

Respondendo à pergunta inicial, "Será que é possível que a experiência virtual seja melhor que a presencial?" - essa tem sido a minha experiência. O feedback que tenho recebido dos participantes é impressionante. Depoimentos como "eu não acreditava que um treinamento virtual pudesse ser tão eficaz quanto o presencial, descobri que estava enganado" e "foi o melhor treinamento que já tive até hoje" tem sido uma constante.

Espero ter contribuído para que a sua experiência na facilitação de um workshop virtual seja um sucesso, que alcance altas taxas de retenção do conteúdo e uma experiência de aprendizagem marcante para os participantes.